Cidadãos do Infinito




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10/02/2012
MADRE TEREZA DE CALCUTÁ
Um Amor que surpreende


A. Pereira do Lago.

É difícil afirmar o amor como essencial ao desenvolvimento da humanidade quando se julga que o progresso evolutivo possa ser critério de discernimento entre o certo e o errado, a ponto de se julgar errado preservar a vida daqueles que diminuem a qualidade média do património genético da espécie humana...

Na sociedade indiana, dividida em castas, com frequência os indivíduos das castas inferiores são abandonadas à morte como se fossem animais à beira da estrada... O trabalho das missionárias da caridade, ordem religiosa fundada por irmã Teresa de Calcutá, se resume tantas vezes a dar assistência digna a tantos destes moribundos, sem olhar cor, sexo, nem tampouco religião.

São conhecidas as palavras de um destes moribundos que pouco antes de morrer disse: “Vivi como um animal, agora morro como um anjo, amado e cuidado.”

Este trabalho, tantas vezes aparentemente sem retorno, sem frutos, um dia também foi prestigiado. Irmã Teresa de Calcutá recebeu o prêmio Nobel da Paz de 1979. No discurso feito à hora de receber o prêmio, fala justamente da experiência que faz diante de tantos que sofrem pelo desamor, bem como fala de tantas experiências de amor que lhe foram testemunhadas justamente pelos miseráveis.

O relato de uma família faminta de hindus que divide sua miserável porção de comida com uma família muçulmana igualmente faminta é sinal de esperança e de Paz muito mais que tantos tratados assinados por aqueles que partilham o poder sobre as nações. Uma verdadeira aula sobre o que é o amor, de um amor que aceita o sacrifício, não apenas um amor de slogans e palavras.

Se notícias como estas ganhassem os jornais, sem demagogia nem propaganda, que mundo diferente seria o nosso! Este desamor não se manifesta apenas na necessidades elementares dos miseráveis. Teresa de Calcutá descreve também tantas situações do quotidiano onde o amor é ausente. Esta lacuna, a falta de amor, é a maior ameaça à Paz, ela diz, com argumentos convincentes e proféticos.

O desamor de nossos dias, começando-se em nossas casas, é a profecia de uma mortandade sem precedentes. Seu discurso inteiro merece ser lido, refletido. Infelizmente, fugiria aqui ao nosso escopo tratá-lo.

É de se perguntar sobre que nível de pobreza esperar diante de políticas mundiais tão calcadas no progresso evolutivo, alçado aos altares de uma nova utopia, idealizado pelos defensores de medidas eugênicas radicais.

Pois bem, se por um lado sua ação é operativa, social, irmã Teresa não define o seu carisma como tal, mas contemplativo dentro do quotidiano do homem globalizado social. Esta contemplação da realidade do outro, esta comoção diante da realidade que grita, compartilhando suas dores, muito mais que uma ação filantrópica, é uma contemplação do próprio Mistério: o amor. O amor por um moribundo, ensanguentado, misteriosamente coincide com o amor por um bandido crucificado...

 

É uma ação voltada ao outro, que nasce de uma contemplação e se alimenta na oração. É, por que não dizer, uma experiência mística, cheia de paz, de amor, que Aldous Huxley terá talvez tão sonhado encontrar em sua busca. Tal carisma dado a irmã Teresa, nasceu de um convite feito dentro de um diálogo com o próprio Mistério. O dia decisivo, 10 de setembro de 1946, ficou simplesmente conhecido dentro de sua ordem como “o dia da inspiração”, pois dali veio a inspiração da criação da ordem das irmãs missionárias da caridade. 

Sempre discreta a este respeito, as circunstâncias deste dia foram conhecidas por muito poucos: seu bispo e seus diretores espirituais, fundamentalmente. Não fez alarde, guardou segredo, até porque sua tarefa era outra... Quando foi necessário falar, deu detalhes. Abaixo está um trecho da carta que escreveu ao bispo de Calcutá a 13 de janeiro de 1947, para justificar-se de por que motivo tinha tanta pressa em criar uma nova ordem religiosa naquela cidade: Kolodiejchuk é padre missionário da caridade desde 1984 e conviveu com irmã Teresa de 1977 até o ano de sua morte, 1997. Nestas cartas revela-se parte da intimidade do seu próprio relacionamento com o Mistério. Das orações, surgem diálogos.

 

Mesmo depois de uma manifestação tão efusiva, capaz de fazer qualquer apaixonado delirar de tanto amor, depois de alguns anos, irmã Teresa passa a experimentar o que um místico de primeira grandeza como São João da Cruz veio a chamar de “a noite escura da alma”, como trata o décimo capítulo do livro de Kolodiejchuk. Excepcionalmente talvez, esta noite escura parece ter durado onze anos para irmã Teresa... É como se o amor da tua vida aparecesse, tornasse-se presente, mas fosse embora, desaparecesse sem dar notícias. 

Por onze anos, irmã Teresa passa a viver da memória dos primeiros encontros. Passa ela a compartilhar não somente a miséria de tantos dos pobres com quem conviveu, passa ela a compartilhar também da mesma ausência de Deus que a grande maioria de nós vive, das mesmas dores de Jesus no jardim das oliveiras. Ainda que com frieza interna, não perde uma missa, os momentos comunitários de oração. Indagada por padre Neuner, então seu diretor  espiritual, em abril de 1961 irmã Teresa escreve com detalhes um relato de sua escuridão.

 

Mesmo dentro da escuridão completa, ela tem certeza de que a obra que fora prometida no dia da inspiração é cumprida por Ele. Ela percebe ser Ele a colocar as palavras necessárias em sua boca e realizar a obra que ela não seria capaz de realizar. Esta percepção lhe mantém a humildade, mesmo

diante de tantas bajulações que o mundo ofereceu a ela, por conta de suas obras.

A humilhação de não mais perceber a Presença de seu amado não foi apenas um sofrimento, foi também um meio através do qual Teresa encontrou a humildade necessária para prosseguir na obra para a qual foi designada. Sem a humildade, sem o amor ao próximo que aceita partilhar de seus sofrimentos, ela não seria capaz de alçar grandes vôos. Esta consciência é presente a ela na mesma carta em que descreve sua escuridão a padre Neuner, como se pode ler num trecho da sequência.

Mesmo que diante de uma noite tão escura possa parecer que a própria Divindade seja impessoal, como vimos no pensamento de Aldous Huxley, esta experiência de escuridão vivida por tanto tempo por Teresa de Calcutá não lhe tira certeza do diálogo pessoal que tivera no dia da inspiração e também tão intensamente nos meses subsequentes, como se pode ler na mesma carta, pouco antes de passar a descrever sua escuridão.

 

Já no dia da inspiração sua escuridão de alguma forma se delineia. Naquele mesmo diálogo, como relatado em sua carta ao bispo, Jesus lhe chama a sofrer, provando assim o amor que salva as almas que ele mesmo ama e das quais aguarda um amor puro.

Ela mesma havia se oferecido pedindo que Ele fizesse o que quisesse dela. Por isto ela diz que jamais desejou que Ele lhe tirasse aquele sofrimento. Se Ele tinha sede das almas, se as almas tinham sede de Deus, ela também sofreria ao experimentar esta mesma sede. “I thirst”, eu tenho sede, são palavras estampadas em cada capela da ordem fundada por irmã Teresa.

Em sua sede de Deus, eu sua experiência de frieza, tantas vezes irmã Teresa vai buscar calor para o seu coração a partir dos relatos de grandes místicos católicos como São João da Cruz, Santa Margarida Maria Alacoque, a respeito de suas próprias intimidades com Jesus, como se pode perceber em carta de 1962 a seguir. Apercebe-se desamada, não querida, abandonada pelo seu amor, abandonada por Deus. Por isto também ela é capaz de descrever com tanta propriedade aquela pobreza que se vive no ocidente, muito mais difícil de ser curada que com um prato de comida dado ao um pobre de Calcutá.

Ainda assim, sentindo-se abandonada, desamada, não reclama. Abraça sua cruz, como lhe é dada. Oferece-se ela mesma em sacrifício. Esta consciência em 1962 porém é possível também porque há quem a ajude a ter esta consciência.

Em 1961, seu diretor espiritual traz-lhe algumas luzes que a fazem perceber novamente Deus mesmo que ainda imersa na experiência de escuridão.

Depois de lhe dizer que a experiência de irmã Teresa era aquela mesma noite escura descrita por tantos mestres da espiritualidade, as palavras de padre Neuner que lhe suscitaram tal mudança:  Ninguém pode ansiar por Deus, a menos que Deus seja presente em seu coração. Nestas palavras Teresa de Calcutá encontrou muito mais que o remédio que eliminasse sua escuridão, encontrou uma fórmula que simultaneamente lhe permitisse compartilhar com seus pobres sua mesma dor,

seu abandono, seu vazio, mas ao mesmo tempo lhe permitisse reconhecer Deus presente neste vazio.

Seguindo o seu mais legítimo desejo, era certa de encontrar aquele Mistério capaz de satisfazê-lo.

“I thirst” era seu mantra.

 

 

 






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