Cidadãos do Infinito




Santíssima Trindade
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04/01/2012
A TRINDADE QUE HABITA EM NÓS
Amor que assume e resgata


Conta-se que, certa vez, Santo Agostinho caminhava pela beira da praia, mergulhado em pensamentos, tentando compreender como seria possível que Deus fosse ao mesmo tempo Uno e Trino. No caminho, a poucos metros de onde a onda se esparramava, Agostinho encontrou um menino que, tendo cavado um buraco na areia, apanhava água do mar com uma concha e colocava no buraco. Vendo aquilo, o grande teólogo iniciou um rápido diálogo com o garoto, que teria sido mais ou menos assim:

 - “Mas o que você está fazendo aí, menino?”, perguntou Agostinho.

 - “Estou transportando toda a água do mar para dentro do buraco que cavei”, respondeu com naturalidade o garoto.

Agostinho insistiu, admirado daquele intento: “Mas será que você não percebe que seu intuito é absurdo, que é impossível você transportar o mar inteiro para dentro desse buraco que você fez na areia?”

Ao que o garoto respondeu: “Da mesma forma que é impossível eu transportar o mar para esse buraco, é igualmente impossível você compreender o mistério da Trindade!”

Essa estorinha muito simples é a base pela qual queremos iniciar esta nossa reflexão. É muito importante que fique claro para nós o que estamos querendo aprofundar sobre a Trindade. Certamente não se trata de compreender o seu mistério, pois é mistério divino, e não iremos conseguir compreendê-lo simplesmente com a razão. Como fazer com que nossa razão, tão matemática e desejosa de exatidão, aceite que um é igual a três? Essa matemática é, pelo menos, absurda. É aí que temos que admitir que, de fato, esse problema não é matemático, mas um problema de fé.

Busquemos, então, uma fundamentação que nos permita mergulhar mais profundamente nesse mistério, pois sabemos que a Trindade foi aos poucos se revelando a nós, e, por isso, é possível encontrar um rastro de sua revelação, quer na Patrística, quer nas Sagradas Escrituras. Gregório de Nazianzo afirmava expressamente a ‘personalidade e a divindade’ de cada uma das três pessoas divinas – Pai, Filho e Espírito Santo –; dizia que o Antigo Testamento havia revelado mais a pessoa do Pai, que o Novo Testamento tinha se ocupado de revelar mais a pessoa do Filho, e que a revelação do Espírito Santo havia acontecido mais fortemente no tempo da Igreja.


Muitas discussões foram desenvolvidas pelos primeiros Padres e pensadores da Igreja; muitas delas acabavam mesmo por intuir fortemente a certeza da verdade trinitária. No entanto, somente com o Concílio de Constantinopla, em 381, chegou-se a uma definição, ou fórmula, mais clara da existência do Deus único em três pessoas. De muitas formas defendida, de muitas formas questionada ao início, tal definição tornou-se patrimônio inegociável e irrenunciável de nossa fé. “Na verdade, é a relação de origem que distingue as Pessoas divinas: o Pai é Pai porque gera, o Filho, porque é gerado, e o Espírito porque é ‘dado’ por ambos”(1). Assim, as Pessoas divinas expressam três pessoas reais e individuais.

 

Apesar do que falava Gregório de Nazianzo, se lançarmos um rápido olhar sobre as Sagradas Escrituras poderemos encontrar alguns indícios, algumas pistas, que nos podem levar a perceber a presença de uma revelação trinitária ainda no AT. Em Gn 1,26, por exemplo, na narração da criação, Deus diz “... façamos o homem...”; há também na narração da construção da Torre de Babel, em Gn 11,7, algo parecido quando Deus não se agrada daquele desejo do coração do seu povo e diz: “...vamos, desçamos e confundamos a língua deles...”. Podemos perceber aí já sementes desta revelação da Trindade que iria crescer e desabrochar com o passar dos tempos e da História da Salvação. De fato, alguns Padres da Igreja compreenderam esses detalhes preciosos precisamente dessa forma. Por mais que somente aos poucos o Deus Uno foi-se revelando como Trino, Ele sempre o foi desde toda a eternidade.

 

Poderíamos continuar um pouco mais numa pesquisa sobre a revelação da Trindade. Há, no entanto, algo muito importante que gostaria de mencionar. Diante de tal profundidade, de tal mistério, é imprescindível não perder o essencial, não nos perdermos em elucubrações sobre a Trindade, correndo o risco de deixarmos escapar o principal; e o principal é que somos amados por Ela. Deus, Uno e Trino, poderoso, insondável, ilimitado, decidiu amar-nos e habitar em nós, que somos fracos, pequenos, completamente limitados. Não podemos entender inteiramente o porquê desse ato divino, mas o fundamental é que Deus assim o quis e o quer.


Esse Deus tão grande e tão forte se revela na pessoa do Pai que nos cria por amor; do Filho que por amor se encarna para operar em nós a salvação, e do Espírito Santo que gera em nós a vida nova, a vida eterna e divina, também por amor. A Trindade nos amou e nos ama profundamente, e torna-se para nós modelo perfeitíssimo de amor. Somos, então, chamados a amar assim como a própria Trindade ama: doando-se completamente, esvaziando-se de si para os outros. O Pai entregou o seu Filho único e mais querido, Aquele em quem derramava toda a sua complacência, toda a sua ternura, todo o seu amor; o Filho entregou a própria vida, assumindo a condição humana tão limitada e esvaziando-se até a morte, e morte de cruz!

E o Espírito Santo, com o expirar de Jesus na cruz, entregou-se todo à Igreja que dos pés da cruz nasceria. Portanto, a forma de amar da Trindade é esta: o esvaziamento, a doação total de si. Se fosse possível se expressar dessa forma (já que a Trindade é plenamente e eternamente feliz...), poderíamos dizer que a cruz é o momento “mais feliz” da Trindade, pois é o momento em que o Pai consuma a entrega do seu Filho amado, o Filho consuma a entrega de sua vida, e o Espírito Santo é soprado por Jesus e entregue aos homens. Feliz Trindade que nos mostra como encontrar o caminho da felicidade! De uma forma tão misteriosa, mas também tão maravilhosa, a Trindade opera em nós. É realmente maravilha aos nossos olhos, pois não somos dignos de que Ela ao menos se importe conosco...

Este é um ponto muito impressionante: a Trindade resolveu habitar em ‘casas’ tão imperfeitas, muitas vezes tão manchadas; resolveu habitar o nosso coração. Impressionante o amor de Deus! Mas, para a nossa alegria, o amor trinitário é verdadeiro. Diria mais: o amor trinitário é o amor verdadeiro; o único amor verdadeiro! Esse amor não conhece limites, não pára nos nossos pecados, não se extingue jamais e nem por nenhum motivo. É mais forte que a morte. Não importa o que fazemos ou fizemos, esse amor é mais forte que tudo: é amor de compaixão.

Amor que assume e resgata; que nunca exclui ninguém. Procura os mais fracos, os mais perdidos, aqueles que muitos julgam ‘sem jeito’. Assim é o amor do Deus Uno e Trino: amor de resgate! Assim é o amor da Trindade por mim e por você: amor de resgate! Esse amor nunca é merecido, mas sempre pode ser encontrado; está à nossa disposição o amor que resgata... Entramos no “Ano Santo da Trindade”; neste Ano Santo o que importa não é conseguir compreender o mistério da Trindade, mas conseguir render-se a Ela sem restrições. A nossa maior felicidade neste ano será a de ter a oportunidade de uma experiência pessoal com a Trindade.

Todo aquele que abrir-se a essa experiência terá sua vida transformada pela graça de Deus, conhecerá o Amor Verdadeiro e será instrumento de onde este amor divino jorrará para todos os homens. Abrir-se a esse amor será a coisa mais feliz que poderá acontecer a uma pessoa; encontrar esse amor, seja em que circunstância for, é a maior graça que alguém pode alcançar, porque esse amor trinitário nos liberta de nossas amarras e nos torna livres para também amar, e amar como Deus ama, amar com amor de esvaziamento e doação total.

Que as palavras de S. Paulo aos Coríntios, expressas em fórmula trinitária, sejam para nós, especialmente neste Ano Santo, bênção e comunicação do amor insondável do Deus Uno e Trino: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunicação do Espírito Santo estejam com todos”(2), com cada um de nós, e transforme a nossa vida em vida agradável a Deus até o fim. Amém








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