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Vimos já, nas últimas duas aulas, o dogma fundamental da fé eucarística: Nosso Senhor Jesus Cristo, em corpo, sangue, alma e divinidade, está real e substancialmente presente sob as espécies ou aparências de pão e de vinho. Trata-se de uma verdade claramente atestada não só pelo magistério da Igreja e pela sagrada Tradição, mas pela própria Escritura. Por isso nos detivemos na aula passada em examinar o testemunho mais antigo sobre a presença real: o capítulo 23 da primeira carta de São Paulo aos coríntios, onde o Apóstolo, a fim de explicar a gravidade da comunhão indigna, remete às palavras da instituição: Isto é o meu corpo, Este é o cálice do meu sangue, que supõem ser Cristo mesmo aquele a quem se recebe na Eucaristia.
Mas a Igreja não crê apenas que o Senhor está presente sob as espécies sacramentais. Crê também que essa presença se dá de um modo não menos admirável e espantoso, chamado tradicionalmente de transubstanciação. Ouçamos primeiro o que a este respeito declarou o Concílio de Trento em sua 13.ª Sessão, capítulo 4:
[…] porque Cristo, nosso redentor, disse que aquilo que oferecia sob a espécie do pão (cf. Mt 26,26-29; Lc 22,19s; 1Cor 11,24-26) era verdadeiramente seu corpo, existiu sempre na Igreja de Deus a persuasão que este santo Concílio novamente declara: pela consagração do pão e do vinho realiza-se uma mudança de toda a substância do pão na substância do corpo de Cristo, nosso Senhor, e de toda a substância do vinho na substância de seu sangue. Esta mudança foi denominada, convenientemente e com propriedade, pela santa Igreja católica, transubstanciação (DH 1642).
Disto decorre ser também de fé católica o seguinte: 1) após a consagração, já não permanece nada da substância do pão e do vinho; 2) permanecem porém as espécies de um e de outro, ou seja, as aparências acidentais, perceptíveis pelos sentidos externos; 3) a substância do pão e do vinho não é corrompida ou aniquilada, senão que se converte totalmente na substância do corpo e do sangue de Cristo, e a essa conversão se dá com propriedade o nome de transubstanciação, segundo o uso quase milenar da Igreja latina.
Nesse sentido, a fé exige, para sua íntegra ortodoxia, que professemos não só a presença real como o modo pelo qual se realiza, a saber: convertendo-se toda a substância do pão e toda a do vinho na substância do corpo e na do sangue de Cristo, respectivamente, sem restar nada daquelas. É por isso, entre outros motivos, que a doutrina da consubstanciação é verdadeiramente herética, já que nega não a presença real, mas o modo por que se realiza, sustentando que a substância do pão e do vinho permanece com ou unida à do corpo e à do sangue de Cristo.
É verdade que o termo “transubstanciação” é de origem mais ou menos recente (parece que o primeiro a utilizá-la foi Estêvão de Autun, já no séc. XII), mas tornou-se comum entre os latinos desde há muitos séculos, vindo a ser aprovado pelo próprio magistério, como vimos acima, dada a precisão com que exprime o dogma da fé e exclui os erros contrários. Etimologicamente, a palavra significa translação de substância, isto é, o ato pelo qual uma substância torna-se ou muda-se em outra. Por substância entende-se aqui a coisa a cuja essência convém ser em si mesmo, e não em outro como em um sujeito. Neste sentido, a noção de substância opõe-se à de acidente, que designa todo ente a cuja essência convém ser não em si mesmo, mas em outro como em seu sujeito.
Em linhas gerais, substância é o que, em cada coisa, serve de sujeito no qual inerem todas as outras determinações acidentais (por exemplo, a quantidade e qualidades como cor, textura, cheiro etc.), as quais não alteram o que a coisa é essencialmente. Podemos dizer então que a substância é como que o núcleo íntimo das coisas, que as faz ser o que são (ou seja, de tal ou qual natureza), e que permanece em si mesmo invariável no curso das modificações acidentais. Assim, por exemplo, a substância de um cachorro permanece idêntica a si mesma ao longo de todo o seu processo de crescimento, ainda que aumente a massa corpórea, caiam e cresçam pelos, unhas e dentes.
Dito isto, fica claro o que transubstanciação quer dizer no vocabulário teológico da Igreja. Em virtude das palavras da consagração proferidas por um ministro ordenado, realiza-se no altar uma conversão singular, porque não se dá na ordem natural nenhum outro exemplo, e admirável, porque é verdadeiramente misteriosa, acima de nossa capacidade de compreensão, pela qual deixa de estar presente a substância do pão e do vinho (isto é, o sujeito ou substrato que está sob os acidentes, como algo permanente e constitutivo), a qual não é aniquilada, mas convertida totalmente (isto é, em razão tanto da forma quanto da matéria) na substância do corpo e do sangue do Senhor, permanecendo só, embora realmente, os acidentes ou aparências sensíveis de pão e de vinho (tamanho, peso, cor, figura, textura, cheiro, sabor e demais propriedades físico-químicas).
A Eucaristia, por consequência, não é um pão comum ao qual a comunidade de fiéis atribuiria, num contexto religioso, um “significado” distinto ou uma “finalidade” diversa [1], como meio de exprimir certos sentimentos de pertença, fraternidade ou união. É, pelo contrário, verdadeiro pão vivo, pão da vida e dos anjos, porque sob o que é mera aparência de pão se oculta Cristo glorioso, com sua carne e seu sangue, com sua alma e sua divindade, oferecido ao Pai em estado de vítima e entregue a nós como alimento espiritual.