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Doutrina Católica
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15/11/2021
A presença de Cristo na Eucaristia
A segunda pessoa da Trindade, sendo invisível por sua divindade, fez-se visível por sua humanidade, e tornou-se presente no mundo de forma inteiramente nova: “E o Verbo se faz carne e habitou entre nós”.


Ao longo desta primeira parte do curso, como dissemos no final da aula passada, buscaremos compreender melhor o mistério da presença de Jesus na Eucaristia. Antes de tudo, é costume dizer que se trata de uma presença verdadeira e real, não porque as outras sejam “falsas” e “irreais”, mas porque tem algumas peculiaridades que a distinguem delas. Para entendê-lo corretamente, demos um passo atrás e vejamos em grandes linhas que outras formas de presença são essas.

Como ensinam as Escrituras, Deus está em todas as coisas (cf. Sl 138,5-12; Jr 23,24; At 17,27; Rm 11,26; Ef 4,6; Is 26,12); mas, sendo Ele espírito puro e simples, superior a tudo quanto é ou pode ser, não está presente nas criaturas nem como parte de sua essência, ao modo de matéria ou forma, nem como acidente. Resta dizer, portanto, que Deus está nas coisas como o agente está naquilo em que age, embora não por contato corpóreo, ou como causa no efeito que dela decorre.

Dito isto, os modos de onipresença divina, segundo a maioria dos teólogos, podem ser distribuídos nas seguintes categorias:

aPresença por essência, não no sentido de ser parte constitutiva das criaturas, mas por ser causa primeira da qual dependem radicalmente tanto in fieri quanto in conservari. De fato, tudo o que é, só é porque dele recebe atualmente o próprio ato de ser, de maneira que, se Deus (por hipótese) interrompesse por um instante sua ação causal criadora-conservadora, tudo seria imediatamente reduzido ao nada.

b) Presença por potência, na medida em que tudo o que existe está invariavelmente sob o poder divino. Poderíamos dizer que Deus está nas coisas como o rei nos súditos, sujeitos às leis do reino e às ordens que o governante quiser executar. A diferença é que a lei humana é extrínseca aos súditos, ao passo que a lei divina é intrínseca às criaturas; o rei, para atuar de modo eficaz, necessita da obediência e da cooperação de seus ministros, ao passo que Deus, ainda quando atue por causas segundas, age sempre por si mesmo e de maneira imediata em todas as coisas.

c) Presença de visão, pois tudo está presente aos olhos dele, em seu eterno presente, sem que haja nada a que Deus não esteja atento em seus mínimos detalhes.

d) Presença de ubiquidade, quer dizer, Deus está em todos os lugares, o que não significa que Ele esteja circunscrito à maneira de um corpo (isto é, como conteúdo num continente), mas por virtude e essência. Em outras palavras, Deus, causa primeira da qual recebem o ser todas as substâncias espacialmente localizadas (ou seja, as compostas de matéria e forma), está presente por essência e potência onde quer que tais substância se encontrem. Nesse sentido, dizemos que Ele está ou ocupa todos os lugares, na medida em que é causa produtiva e conservadora do ser das coisas localizadas.

A essas quatro presenças, comuns a toda criatura enquanto tal, agrega-se ainda uma quinta, dom sobrenatural concedido apenas aos entes intelectuais (anjos e homens). É a chamada presença de inabitação, pela qual a Trindade passa a habitar, como em seu templo espiritual, na substância angélica ou na alma humana na qualidade de amigo. Essa amizade é um dos efeitos resultantes da graça habitual, que, por ser inseparável das virtudes teologais, dá ao anjo e ao homem verdadeira caridade para com Deus. Afinal, a amizade é recíproca por definição, motivo pelo qual Deus não pode estar presente como amigo em quem está separado dele por pecado grave.

E quanto à Eucaristia? Para entender a presença real precisamos ainda falar de outra presença: a do Verbo em sua humanidade assunta.

Há dois mil anos, Deus Filho tomou para si, no seio da sempre Virgem Maria, uma natureza humana descendente de Adão, em tudo igual à nossa — corpo e alma —, exceto no pecado. A união entre o Verbo divino e essa natureza humana, além de misteriosa, é a mais íntima que existe, por ser de caráter pessoal, ou hipostático. Ou seja: o Verbo uniu-a à sua própria pessoa, comunicando-lhe seu único ato de ser, de forma que a humanidade de Cristo, diferentemente da dos outros homens, apesar de íntegra e perfeita, não tem personalidade própria, senão que é a pessoa mesma do Filho que age por ela como por um instrumento, não estranho mas próprio, não separado mas unido como a mão ao corpo.

Assim sendo, a segunda pessoa da Trindade, sendo invisível por sua divindade, fez-se visível por sua humanidade, e tornou-se presente no mundo de forma inteiramente nova: E o Verbo se faz carne e habitou entre nós (Jo 1,3). Enquanto verdadeiro Deus, o Filho continua a estar presente às criaturas em geral por essência, potência, visão e ubiquidade, e aos anjos e homens em graça por inabitação; mas enquanto verdadeiro homem, dotado de corpo físico e alma racional, Ele esteve presente no mundo segundo as limitações próprias dos corpos: circunscrito aos lugares que atualmente ocupava.

Acontece que Cristo, às vésperas de sua crucificação, instituiu no Cenáculo o sacramento e memorial de sua Paixão, pelo qual não só perpetuaria pelos séculos seu sacrifício redentor, realizado de uma vez para sempre no altar da Cruz, mas daria também aos fiéis de todas as épocas a graça que deu a seus Apóstolos e discípulos: o contato com sua humanidade, viva e vivificante. Por isso o mesmo Cristo ressuscitado e glorioso, que está agora nos céus à direita de Deus Pai segundo seu modo natural de existir, pode não obstante estar presente na terra em muitos outros lugares de modo sacramental.

“Na Eucaristia”, ensina o Concílio de Trento, “o Corpo de Cristo está sacramentalmente presente segundo um modo de existência que, embora mal o possamos exprimir com palavras, é todavia possível a Deus, e podemos vislumbrá-la pela inteligência iluminada pela fé e nela devemos crer com firmíssima constância”. Essa presença, que, como veremos, se dá graças à transubstanciação do pão e do vinho, tem as seguintes propriedades:

1) É verdadeira, o que significa que Cristo não está na Eucaristia somente ao modo de sinal ou como mero símbolo;

2) É real, o que significa que Ele está presente de fato, e não por mera representação interior do fiel. Assim, o corpo e o sangue do Senhor permanecem presentes depois da Missa e estão no sacrário, ainda que ninguém os esteja adorando. Sua presença, em resumo, não está vinculada à fé (ou à ausência dela) de quem o recebe, adora ou profana;

3) É substancial, o que significa que a humanidade de Cristo, unida hipostaticamente ao Verbo, está presente em sua substância e, por concomitância, com seus acidentes e qualidades naturais e sobrenaturais.

Por força da conversão sacramental, o que era substância de pão (sua realidade mais íntima, o fundamento ontológico do qual derivam suas propriedades distintivas) torna-se a substância do corpo: “Isto é o meu corpo”; e o que era substância de vinho torna-se a substância do sangue de Jesus Cristo: “Este é o cálice do meu sangue”. Permanecem porém os acidentes próprios do pão e do vinho, ou seja, suas meras aparências, chamadas species em latim.

Jesus Cristo inteiro, em corpo, sangue, alma e divindade, está presente sob ambas as espécies, segundo um modo de presença tão admirável e singular, que na falta de melhor termo se convencionou chamar simplesmente sacramental. Sem deixar de estar em todos os lugares, mas sem se multiplicar numericamente, é só na Eucaristia, debaixo da aparência de pão e de vinho, que Ele está presente fisicamente com seu corpo e com seu sangue, formados pelo Espírito Santo no seio da Virgem deípara e hoje glorificados à direita do Pai.

Não o vemos agora, mas um dia o veremos no céu. Lá, retirado todo véu, contemplaremos o rosto de Cristo, o olhar de Jesus, o seu sorriso, a bondade com que Ele irá olhar de volta para nós! E para corroborar nossa fé existem muitos milagres eucarísticos, e vários santos já tiveram a experiência de, durante a Missa, ver de algum modo misterioso a presença de Cristo sacramentado. Tais manifestações, contudo, não são em si mesmas necessárias.

No hino “Tão sublime sacramento”, que costumamos rezar nas bênçãos do Santíssimo, composto por Santo Tomás de Aquino, se diz exatamente isso: não precisamos ver; basta ter fé. O texto original do “Tão sublime…”, intitulado Tantum ergo, diz assim: Præstet fides supplementum sensuum defectui”, “Venha a fé por suplemento”, isto é, completar aquilo que nos sentidos nos faltar. Os sentidos não nos revelam a presença de Jesus, mas isso tampouco é necessário.

Num outro texto atribuído a Santo Tomás de Aquino, o famoso Adoro te devote, encontramos até um elenco dos sentidos que falham: Visus, tactus, gustus in te fallitur, a visão, o tato e o gosto falham completamente, sed auditu solo tuto crediturmas o ouvido, sim, tem serventia, não porque ouça o ruído de um corpo, mas porque ouve as palavras de Cristo: “Isto é o meu corpo”. Basta ouvir essas palavras para crer com segurançaCredo quidquid dixit Dei Filius: nil hoc verbo Veritatis verius, não há nada de mais verdadeiro do que essa palavra da verdade! 

Conselho espiritual: Ao visitarmos o Santíssimo no sacrário, lembremos: não estamos diante de uma coisa inanimada nem de um pequeno armário sem nada dentro. De forma misteriosa, Deus Filho encarnado, com tudo o que Ele tem, está vivo ali, à espera do nosso amor e da nossa adoração.




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